sexta-feira, 26 de abril de 2013

Poesia em Imagens -Alma ao Vento


Poesia em Imagens
Alma ao Vento
Em resposta ao Desafio Poético de Tânia Contreiras




Alma ao Vento

Uma suave urgência
Perturba-me
E eu  consinto, me entrego
Sem anteparos
Uma cena ultrapassa-me
Um olhar arrebata-me
E um cálido  silêncio
Chama meu nome.
Sou folha em branco
Desnuda-me
Desfolha-me
Mais um pouco.
De beleza transbordarei
Minha  alma  seguirá  ao vento
Até que uma palavra risque-me
E um poema escreva-se
Em mim.

Susana Meirelles






BRINDE


Há taças
e traças um caminho
elas partem,
como partidos estamos
Divididas,
 como nós, duvidamos
o que contemplam?
o sangue? o vinho?
 a vida brindada
a vida, antes da queda.

Susana Meirelles






O CÉU

Com os pés sem asas
Subi escadas
Nas pontas dos dedos
Vivi todo peso
do corpo e dos tijolos
com que construí minha história.
Contudo, recordo-me,
não do chão, mas das nuvens
Não da dor, mas do vento
Não da lágrima
Mas  de quão azul
 foi o céu
Dos meus dias.

Susana Meirelles






ENLEVO

Elevo-me
Levo-me a ti
É teu o olhar
Que rompe amarras
Em mim.
 Amarro -me
nessa desrazão
sem razão
Flutuo
Enlaçando-me em  poesia.
laçando-te,
Torno-me  criança em vésperas
Antegozo a festa
Gôzo.
A tudo antecedo
Antes
Enlevando-me
Levando-me
Bem sei ,
Ainda é cedo
(Demasiado cedo)
Mas a esse enlevo
Cedo.

Susana Meirelles






PEDAÇO SEU





Sua lágrima
Lago
onde precipito-me,
 avanço.
Nela vejo histórias,
Memórias
Arcos, velas, mares
Solitária estrela
a me guiar
nas  tempestades
do agora.

Sua lágrima,
poço sem fundo
Passagem
Para fundo
(Tão fundo)
Em mim.
Sua dor é punhal
É Ferida
Partindo-me
Dilacerando.

Sua lágrima
Revela  segredos
Mistérios dos seus nãos
Ou flor que desabrocha
Nas pétalas dos seus sins

 Nela escuto vozes
Canções,  notas musicais 
E leio encantada,
Versos que lhe emocionaram
Revelando o que tentava em vão me ocultar.

É simples sitio em beira de estrada
Paragem e mãos dadas.
Sua  lágrima,
Meu sonho de encontro
Na minha pele absorvendo
E nos meus olhos
Úmidos, sendo,
O melhor espelho de mim.

Sua lágrima
Pedaço seu
Que extravasa
 E amo.

Susana Meirelles








Náufraga


Gira o mundo
Pesa o passo
Sobe escadas
Apressada.

Teme
 Encontra
Confronta
Náufraga.

Vira o tempo
Fecha a porta
Acerta ponteiros
E os passos

Novos espaços
Para pés descalços
Tempo revira
revolta
não volta.

Céu e nuvem
Chuva e estrelas
Areia e Pedras
Vida e poesia
Se o amor é dor,
Deixa, estilhaça
E se o tempo é nau, confia
Embarca.

Susana Meirelles








A OUTRA PARTE


Metade é verde, é viço
Outra madura, fruta escura.
Metade , inteira
A  outra é marcada.
Uma metade é leve
A outra, profunda.
Metade é voo, é salto
Outra, mergulho.
Uma é sonho
A outra é sensata.
Uma metade admira, surpreende-se
A outra se entedia, tudo sabe.
Uma tem medo, é inicio.
Outra aceita, se cala
Uma parte extravasa.
Transborda.
Outra reserva, se guarda.
Uma parte é ponte, transporta
A outra é chegada.
Duas partes
Duas metades
Metade é a beleza da vida
E do viver , a beleza,
 a  outra parte.


Susana Meirelles







DEZ ANOS

Recolhi das nuvens
Um pouco dos sonhos
Dos que gastam seu tempo
 a contemplá-las.
Corri pelo campo
Espalhando-os
Diluindo temores,
Como fumaça.

Olho, recordo:
Eram muito brancas
As nuvens no céu
dos meus dez anos.

Com a massa dos meus desejos
gotas de chuva e  raios de sol
Eu  modelava  o branco em flocos.
E  o que restava era muito azul.

Todos os  dias
A manhã sendo,
Antes  que eu  olhe o céu
Aquela  menina em mim, desperta
E faz perguntas
ao  meu coração.

Todas as noites
A noite sendo,
Antes de dormir.
Aquela menina  em mim
Não entende minhas respostas
se cala e volta a sonhar.
Enquanto eu,
a dor meço

Susana Meirelles






AZULANDO


Sob os olhos do mar
Um menino brinca
Com o Sonho
Castelos faz
Desfaz
E refaz.

Sob os olhos do mar
Um menino brinca
Com o Tempo
Faz Mágicas :
Rememora
Remoça
A tudo renova

Sob os olhos do mar
Um menino brinca
Com a Vida
Joga
E enigmas
Aprofunda
Desvenda
Desnuda.

Sob os olhos do mar
esse menino nos ensina
que Sonho Tempo e Vida
na  roda do nosso destino
dançam  sempre  conosco,
a brincar.

Aos olhos do mar
O menino é azul
E  as tempestades
O mar vai acalmando
E sua alma
Guardando
Azulando
Amando.


(E foi tão belo de se ver
aquele menino a azular
Que mesmo a morte
 - negra Morte-
Apenas quis,
Com o menino,
Brincar)


Susana Meirelles





Caixa Fechada




Caixa

 quando se abre

Mão que afaga
Na Ponta dos dedos
Dança um amor sonhado.
É Lágrima
Dor de historia
Uma Longa memória.
Talvez uma Palavra lacrada
Um Segredo
(Quando  voa
da garganta
todo medo)
Caixa 
quando se abre
É poema
De vida
 quase decifrada
Mas ainda encantada.
Toda vida
 é  caixa fechada.

Susana Meirelles










sábado, 6 de abril de 2013

Série gente: Um Ponto de Interrogação







Tatiane chega para o estágio e logo me surpreendo com sua dedicação, pontualidade, desejo de aprender, crescer. Entre tantas qualidades, porém, surpreende-me, sobremaneira, a sua sensibilidade.
Trouxe muitas perguntas. Perguntas frequentes, inteligentes, profundas. Ou simples, só confirmando o que já sabia. E eu as respondia como podia, ou me calava, escutando a construção de suas respostas.
Um dia notei que seu cabelo louro, caído na testa, em cacho, formava um ponto de interrogação. E com isso brincávamos. Eu sempre observava: cabelos mais lisos, menos perguntas; cabelos mais cacheados, perguntas abundantes.Pontual, chegava antes de mim e me aguardava, sentada à mesa, na sala,  livro na mão e a interrogação no meio da testa.
Coordenávamos juntas os grupos de mães de crianças com deficiência e os grupos de acolhimento de pessoas com estomia. Eram muitas histórias que escutávamos. Ora muito tristes, ora bonitas, de superação.
Um dia, depois de alguns grupos e algumas histórias, Tatiane me fez uma grande pergunta: “Susana, psicólogo pode chorar?” Olhei bem: lá estavam o ponto de interrogação na testa e os olhos marejados  de lágrimas.
 Houve um tempo em que se acreditou que o psicólogo teria que sacrificar seus sentimentos, em nome de uma neutralidade ideal e impossível de alcançar. Sabemos que dentre as ciências humanas que emergem no século XIX, a Psicologia também traz como ideal da ciência da época a neutralidade e a crença na possibilidade da apreensão objetiva do mundo e do humano, sem interferência do observador. Hoje sabe-se quanto é  preciso que o psicólogo se conheça a  fundo: suas dores, sua história, aceitando seus sentimentos,  para ajudar o outro a ver a si mesmo. Daí a importância das supervisões, como um espaço onde os sentimentos que emergem da relação com o paciente, podem ser acolhidos e utilizados como instrumento de cura.
De um lado a outro aqui no CEPRED, convivemos com pessoas que estão, de alguma forma, superando perdas. Pode ser de um membro do corpo, de uma função, de um ideal, de um filho sonhado, de uma vida desejada. Por isso, escutar, como escutamos essas pessoas, é lição diária para percebermos que, o que da vida parece difícil, impossível, ou mesmo trágico, pode ser vivenciado com dignidade, aceitação inteireza.
Na verdade, Tatiane, todos nós, aqui, no CEPRED, estamos num estágio, cujo aprendizado se dá até nos corredores e naquelas salas de espera por onde iniciamos o seu estágio. Todos nós, aqui estamos aprendendo a aceitar a e amar a vida como ela é, em toda a sua extensão e profundidade.Estamos aqui vivenciando a constatação de que é possível viver com nossas faltas.
Nessas lições do nosso estágio por aqui, nos emocionamos porque também nós convivemos com faltas, porque também nós temos histórias de superação para contar, porque também nós somos humanos.
No entanto, aqui, ao seu lado eu muito sorri. Sorri porque você conhece as respostas às suas perguntas e pensa que é o outro quem poderá respondê-las. Sorri porque você não percebeu o quanto suas perguntas deram direção ao seu estágio. Sorri porque eu adorei sentir seu respeito e atenção diante de tudo o que escutamos, e , se foram histórias que tocaram seu coração, o meu também foi tocado quando lhe vi disfarçando as lágrimas para esconder a sua rica sensibilidade.
Carregue com você a sua pergunta, pois, no seu percurso profissional você encontrará respostas:
 - Tatiane, psicólogo pode chorar?
Desejo que sua sensibilidade seja o seu guia e que essa lágrima que insiste em sair dos seus olhos, lhe dê a visão clara, mais nítida possível de você mesma e do outro. Como boa psicóloga que já é, você faz de si mesma um ponto de interrogação e, assim, confio que fazendo-se enigma que busca respostas em si,  ajudará o outro a responder seus enigmas.
Tatiane, ao seu lado sorri muito e quando choramos juntas, que bonito  foi.



Susana Meirelles