quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Série Gente- Os Sapatos Vermelhos da Noiva


Alguém disse, certa vez, que ela é assim tão bonita porque seu nome une luz e mar. Pode ser,  pois,  só um feliz casamento poderia ter gerado Lucimar.
Lucimar é bela: morena, cabelos lisos e pretos, em corte Chanel que esconde e destaca os seus olhos grandes e expressivos. Tem um coração alegre. Além de alegre, sem medidas. Você não sabe o que é um coração sem medidas? É aquele que se sente feliz quando outro coração também está feliz. Por isso é sem medidas: ele se amplia para se juntar com outros. É um coração que bate num compasso diferente: “ sou feliz e faço feliz ; sou feliz e faço feliz”. É assim que bate o coração sem medidas de Lucimar.
 Quando estou por perto, eu gosto muito de escutá-la falar: tem umas piadinhas que ela conta e repete, sempre com  uma  risada gostosa, mesmo que ninguém ache muita graça. Têm também muitos casos que ela vai lembrando e contando  com um leve sotaque meio do sul, meio do norte. São histórias de corações que se juntaram ao dela: são pacientes – ela é fisioterapeuta - são amigos, parentes, colegas, conhecidos, vizinhos, desconhecidos.
Frequentemente, eu apenas a escuto, em silêncio. Algumas vezes, de carona em seu carro, que ela enche de pessoas e, como seu coração, é também sem medidas. Muitas vezes, escutando-a,  fico com vontade de chorar.
Dirigindo, ela vai contando as histórias de situações em que se fez presente para as pessoas, de alguma forma. São histórias de solidariedade,  de superação, de generosidade. Enquanto ela fala, em silêncio, eu a observo: ela conta porque seu coração está alegre, para compartilhar o prazer que sentiu; conta como se suas atitudes não fossem tão diferentes do que é comum; conta como se todos nós já soubéssemos o que ela sabe: que a generosidade faz  o coração ficar mais alegre..
E ao final de cada história, ela justifica a sua atitude:
- Ah! Tive dó... A gente está no mundo para ser feliz e para fazer as pessoas felizes.
.           É porque se muito dá, Lucimar também muito recebe da vida: são presentes, oportunidades, homenagens, carinhos, olhares, palavras e muita sorte. E eu suspeito que isso é obra da gratidão que vive rondando a sua vida.
            Um dia desses, ela nos contou a história de um casamento. A noiva lhe confidenciou um segredo: talvez por algum conto de fadas, ela não sabia o porquê, sempre sonhou em casar-se usando sapatos vermelhos. O dinheiro porém, já estava acabando... será que Lucimar teria um para emprestar?
O  coração de Lucimar bateu descompassado.
Uma rápida olhada na vitrine logo em frente, e lá estava o sapato perfeito. Caro? O que importava? Teria preço fazer feliz o coração de uma noiva?
- Ah gente, tive dó... A gente está no mundo para ser feliz e para fazer as pessoas felizes!
Foi um feliz casamento e a noiva estava linda com seus sapatos vermelhos e as rosas vermelhas nas mãos. Eu mesma vi a foto: o sorriso também era vermelho e branco.
  Outro dia, li uma revista que trazia na sua capa, estampada em letras vermelhas, o anúncio de uma reportagem: “A ciência da generosidade”. Um renomado biólogo da Universidade de Harvard,  o prof. Edward Wilson, estaria chamando a atenção da comunidade cientifica, ao ousar complementar a teoria da evolução de Darwin. Seus estudos comprovariam que as comunidades que prevalecem  são aquelas onde .predomina a cooperação. Isso quer dizer, que apenas a lei do mais forte e a competição não explicaria a sobrevivência do homem na Terra. Para ele, o comportamento altruísta teria sido crucial para a evolução das espécies e teria decretado a supremacia humana no planeta..
E você sabe o que é “comportamento altruísta”? Não? É o jeito como a ciência chama o coração sem medidas.
Lendo isso, imaginei os homens primitivos, naqueles tempos de grandes catástrofes, de desconhecimento das forças da natureza, de lutas pela sobrevivência. Imaginei que, em determinado ponto do tempo, um deles deu as mãos ao companheiro, auxiliando-o. Este deve ter compreendido  e , da sua forma, disse pra os outros, como Lucimar:
-Ah gente! Tive dó...a  gente está no mundo para ser feliz e para fazer as pessoas felizes!  
Os cientistas estão descobrindo que um coração sem medidas faz toda a diferença e nos fez caminhar com mais beleza, no rumo da evolução, como sapatos vermelhos nos pés de uma noiva.
Olho o álbum de fotos do casamento. Uma, em especial, me chama a atenção: a igreja está toda decorada de vermelho e branco; a noiva com rosas vermelhas nas mãos, ao lado de Lucimar, deixa aparecer- como quem nada quer- um pedacinho dos seus sapatos vermelhos, sob a longa cauda do vestido branco. As duas estão de mãos dadas; os dois sorrisos são vermelhos e brancos e os dois corações, também vermelhos, estão felizes sem medidas: um está feliz porque realizou um sonho e  o outro está feliz porque realizou o sonho de alguém.
Fecho o álbum e me calo. Sinto vontade de chorar e digo baixinho para meu coração:
- A gente está no mundo para ser feliz e para fazer as pessoas felizes.




Susana Meirelles

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Série Gente - Poltronas Azuis





Foi a última vez em que lhe vi ali,
Na sala das poltronas azuis.
Azuis como seus olhos,
Como nosso olhar sobre as coisas da vida
Sob o céu dos vinte anos.
Era uma despedida
Dor só consolada
Pela alegria
de seu sonho realizado.
Do momento em que nos encontramos até ali,
Percorremos pontes, vielas, atalhos.
Estradas da amizade
Caminhos, ora tão belos
Ora árduos, profundos
e encantados.
Ao seu lado vivi a coragem
do mergulho em mim,
E juntas desejamos
(Cada uma a seu modo)
tocar o indecifrável.
Estudos, reflexões, crescimento. trabalho,
vidas, ideais, datas festivas,  risos,
não poucas lágrimas.
Sempre contei com seu olhar azul e suas mãos amigas,
mesmo quando quase juntas,
ou quase afastadas.
Há algo na vida que é insondável
Que promove os encontros.
Por isso,
Apesar dessas lágrimas
Que me ultrapassam,
Sinto e sei
Que há dois lugares azuis
onde, amigas,
 sabemos que seremos escutadas.
Lugar azul de todos os sonhos renovados
Recuperados
Feitos, desfeitos e refeitos
Ou, como agora, alcançados.
Bem quisera demorar-me um pouco mais,
Na sala das poltronas azuis,
 - sua tradução-
Mas bem pouco importa o tempo, a data
ou o calendário,
permaneceremos no lugar azul
do terno  e do eterno dentro de nós
onde,confortáveis
descansamos e rimos
das moças- mulheres e das mulheres- moças
que somos
numa tão terna idade,
em que as lágrimas e os sorrisos
marcam a dor e a alegria
que há num grande encontro
que a vida nos deu
e nas  despedidas,
sempre provisórias.



Susana Meirelles
31 de Outubro de 2012
(Depois de um abraço)