terça-feira, 21 de agosto de 2012

Minha Cidade

          A  Cidade é grande, mas não me acolhe; braços imperfeitos que não abraçam. Em meio à multidão sou presença ignorada. A minha cidade não me ama, apenas me contabiliza como mais um. Solta no mundo, componho em parte, a paisagem. Participo como figurante de uma cena que se desenvolve sem que eu conheça.
Dentro de mim, no entanto, a cidade é imensa. Sou cena principal do meu enredo, que inclui minha história, com suas repetições, hábitos e desejos, sonho e fé. Dores nunca pronunciadas. Silêncios e vales. Gritos e risos, muitos risos.
A minha cidade é formada pelos monumentos que erigi ao longo da história; pelas calçadas em barro batido que improvisei, pelo mato fechado pelo qual eu nunca ousei passar. Os alicerces que construí sustentam sonhos e, por suas frestas, observo as nuvens. Nuvens que na infância foram a matéria prima de meus desenhos imaginários, onde, sem saber, me revelava a céu aberto.
Há lagos e rios. Mar caudaloso. Paisagem verde claro, verde escuro e azul. É da cor do tijolo em suas inúmeras casinhas em construção, pelo inacabado de tudo que comecei e não concluí.  Mas há prédios modernos engrandecidos do já realizado, cujo orgulho com que os admiro não se compara à serenidade da missão cumprida, que encontro alicerçada em mim.
Missão comprida essa de viver. Minha cidade interior.
A minha cidade funciona em departamentos indispensáveis. Pensamentos circulam em trânsito contínuo e as emoções, muitas vezes, desorganizam o que parecia correto. Sentimentos condutores são  sinais de trânsito e marcas na pista. Sinalizadores da razão advertem sobre possíveis perigos. É quando sofro mais. O medo, maior do que a cautela necessária , torna assustadores os meus fantasmas.
Há igrejas, onde, reclusa, o culto ao sagrado e a fé se estabelecem .Há vales e cachoeiras com a força intensa das águas que, bem canalizadas, iluminam tudo. Ou explodem em força descontínua, desgovernada, cujo estrago posso perceber por muito tempo. Há mares, calmos e deliciosos. Águas tranquilas que mais se assemelham a lagos azuis. São reflexos do meu pensar amoroso sobre as coisas do  mundo.
Há catástrofes, sim, embora raras. Com elas me encontro nas noites de insônia quando preciso sobreviver a enchentes e terremotos. Quase tudo desaba, mas quando despontam os primeiros raios da manhã, vou tudo reconstruindo com a matéria prima de meus sonhos, projetos de futuro e certa dose de ilusão. Prossigo a vida em meio a atividades rotineiras, que são meus laços protetores e meu abrigo da dor.
A minha cidade possui bosques e cachoeiras refrescantes. São o reconforto de todo momento. É a presença poética dentro de mim como uma delicadeza. Suavidade. São os encantos do percurso: a gentileza nos gestos, a compaixão, a solidariedade, a partilha, a generosidade, a amizade, a compreensão.
Há ainda, plumas de algodão que flutuam em meio ao trânsito, quando o amor torna poéticas as cenas do cotidiano. É quando desaparece a dureza do chão, do asfalto, do caminho. É a felicidade.
Decerto que na minha cidade, há passagens secretas e paisagens belas.  Asas e espaços; almas e abismos; escadas e labirintos. Pessoas invadem deliciosamente a minha cidade e eu aceito, baixando a guarda protetora, e as muralhas que me protegem da dor. Invadem-me como borboletas miúdas amarelas e azuis. Invadem com suavidade e passam a ocupar quase tudo.
É através do amor que a minha cidade se expande e comemora. Por isso há feriados e inesquecíveis dias santificados, dentro de mim.


Susana Meirelles
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