quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Decoração de Natal




     Todos os anos, são as lojas que primeiro anunciam a sua chegada. Todos os anos, vitrines luminosas piscam–piscam as suas cores, e a luminosidade dos shopping centers anunciam, na decoração do Natal, os seus apelos.
      O Natal vem chegando e nos surpreendendo pelo avanço do tempo, pois, assim, antecipado nas vitrines, sentimos que o trenó de Papai Noel a cada ano se torna mais veloz, e os seus sinos anunciam a passagem da própria vida, nos braços do tempo.
      O tempo é mágico e nos surpreende: mesmo sabendo que ele é sempre o mesmo, insistimos em repetir que, como um vento, o ano passa e sua velocidade, sentida quase como um lamento, nos convida a pensar, a rever, a revisar.
     Mas o tempo nunca altera a sua velocidade. O que muda é a nossa contagem. Quando bem vivido, é lento; dentro dele cabe tudo aquilo que nos transformou, nos emocionou. No entanto, preso no acaso de nossas monótonas repetições, parece não ter saído do lugar. Quando nele confiamos e o amamos, ele nos traz decisões e as soluções tão almejadas. Contudo, quando o tememos, parece não nos trazer presentes, mas a dor da sua perda e de todas as ausências.
      Tempo é sempre o mesmo e permanece invariável, maleável à nossa contagem, como a massa de modelar da nossa vida ou a matéria prima para os nossos sonhos. Tempo é Um. E como o Um iniciamos a contagem. No entanto, há muito tempo, entre os gregos, o tempo era Dois: duas palavras para expressá-lo, duas formas de compreendê-lo, duas maneiras de contá-lo e dois deuses para representá-lo - Khronos e Kairós.
      Khronos surgiu no princípio dos tempos e foi formado por si mesmo. Unindo-se a Ananka ou Inevitabilidade, gerou a Terra, o Mar e o Céu. Permanece sem corpo, como um deus, conduzindo a rotação dos céus e o eterno caminhar do tempo. Como força, é capaz de devorar os próprios filhos, tornando-se um deus temido por todos.
       Kayrós é um pequeno deus, que se parece com um elfo. É representado por um belo jovem seminu, com asas nos ombros e nos tornozelos. Kayrós sempre corre segurando a sua lança. Sua cabeça contém uma única mecha, a marca da sorte de uma oportunidade:
      Os gregos, como fazemos nós, contavam com Kairós para derrotar o tirano Kronos - o tempo da tão temida morte, do fim de todas as coisas.
Khronos é o tempo cronológico, ou sequencial; é o tempo que se mede, que se perde, que se ganha. É o tempo que passa. Kairós é o tempo indeterminado, o tempo no qual algo especial acontece, o momento oportuno. É o tempo em potencial, tempo eterno, tempo de Deus. Kairós tem a duração de um movimento, uma criação. Khronos é o monótono,repetititivo e veloz tempo dos homens
      O Tempo comanda os movimentos do Universo, marcando seu ritmo. Em sua forma Khronos, aprendemos a contar, a retroceder, a avançar. É em Khronos que conhecemos o passado, o presente e o futuro. Em sua forma Kairós, porém, o tempo possui asas nos pés, para que nos lembremos da eterna leveza do agora. Kairós é tempo do momento afortunado, tempo que tudo transcende, manifestando-se no eterno presente, instante após instante.
    Os shoppings centers, as vitrines, os calendários e quase todos nós vivemos a maior parte do tempo em Khronos, contando o tempo que falta para a morte, para o fim das dificuldades que vivemos ou para a chegada das situações que desejamos. Esquecemos de Kairós, que passa levemente por nossos rostos com a leveza do vento, mostrando-nos que o agora é o único momento oportuno e é onde está a verdadeira vida.
      E quando a decoração de Natal nos surpreende pela veloz passagem do tempo é como se nos deixasse uma mensagem: “Apresse o seu trenó, pois agora seu tempo é pouco para tudo aquilo que você esperou, nesse tempo, viver”.E isso acontece porque Khronos adora criar expectativas, por viver com medo da finitude. Khronos é muito triste e, por isso, conta e reconta. Kairós sonha e é feliz. Enquanto Khronos conta, Kairós sonha
     Kairós, de um lugar dentro de nós, convoca, convida-nos, apela : “avance, confie , entregue-se a essas nuvens e deixe-me conduzir seu trenó”.
Por isso, se olharmos mais uma vez a decoração de natal, podemos escutar um outro tempo que nos fala. Um tempo que está além da simples idéia de finitude e nos avisa que é este - é este, e apenas este- o tempo único, o tempo oportuno, o Agora onde está a vida verdadeira.
     Suspeito que, quando conhecermos verdadeiramente o amor, Kairós derrotará Khronos. Pois, já sentimos: um dia de amor, um instante de um acontecimento extraordinário ou um momento de extrema felicidade é o que faz o tempo parar, É quando, humildemente, Khronos se afasta e o tempo se desgoverna, pára, avança , retrocede. Creio que um único dia de amor, ou um instante de plenitude equivale a mil dias na monótona contagem de Khronos numa vida superficial e incompleta
Olhemos, então, mais uma vez a decoração do Natal, e vamos escolher. Podemos a tudo ver com os olhos de Kairós ou de Khronos. E então, ali, encontraremos: o verde de nossos campos cuidadosamente cultivados ou da nossa imaturidade. Os frutos belos, brilhantes e coloridos ou esmaecidos e sem cor das ações que agora colhemos. As luzes que piscam revelando nossa instabilidade ou nossa mais profunda alegria. O vermelho do nosso amor ou das paixões que nos consomem. O impávido pinheiro que se revelou a partir de uma semente ou a árvore desgastada de nossas falsas conquistas.
      Olhe bem: ali, logo ali, estarão os anjos em pequenas estatuetas vazias ou aqueles luminosos que foram libertos de dentro de nosso peito na forma de Generosidade, Compaixão, Solidariedade, Tolerância, Respeito às diferenças. O Noel de nossos sonhos ou o velhinho triste e cansado de nossas expectativas frustradas. As renas que nos conduzem e a elas nos entregamos ou em quem não confiamos a direção.
     Ali estão o presépio da nossa família, os laços vermelhos e dourados que ao longo do ano fizemos ou tudo aquilo a que nos amarramos. O trenó do nosso tempo ou de nossa saudade.
     Escute outra vez: ali tocam os sinos que nos convidam a sentir o nascimento de uma criança viva e linda dentro de nós. Nascimento que a todo ano se repete a nos lembrar a mais bela mensagem de amor que já se ouviu entre no Céu , no Mar, ou na Terra. Uma mensagem que marcou uma nova contagem, que inaugurou um novo tempo para a humanidade e que , por um momento, acredito, até fez Khronos e Kairós darem-se as mãos para recolher uma estrela que marcasse esse momento extraordinário, e servisse de guia e de inicio da contagem de nossa era. E para que pudéssemos compreender que é possível viver o tempo do extraordinário de Kairós, submetidos à contagem de Khronos,que rege nossas vidas.
     Acredito que se olharmos outra vez, até na decoração do Natal haveremos de encontrar a nossa estrela que poderá trazer o muito do encantado que existe dentro de nós. E ela terá a beleza da verdade quando se tornar, dentro de nós, muito mais do que simples decoração.
    Então que venha, que venha com o Natal, que venha um novo tempo, e que, mais do que do Natal uma decoração, que seja , que seja, um Natal ... de coração...



Feliz Natal!

Susana Meirelles

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Série Gente- Os Sapatos Vermelhos da Noiva


Alguém disse, certa vez, que ela é assim tão bonita porque seu nome une luz e mar. Pode ser,  pois,  só um feliz casamento poderia ter gerado Lucimar.
Lucimar é bela: morena, cabelos lisos e pretos, em corte Chanel que esconde e destaca os seus olhos grandes e expressivos. Tem um coração alegre. Além de alegre, sem medidas. Você não sabe o que é um coração sem medidas? É aquele que se sente feliz quando outro coração também está feliz. Por isso é sem medidas: ele se amplia para se juntar com outros. É um coração que bate num compasso diferente: “ sou feliz e faço feliz ; sou feliz e faço feliz”. É assim que bate o coração sem medidas de Lucimar.
 Quando estou por perto, eu gosto muito de escutá-la falar: tem umas piadinhas que ela conta e repete, sempre com  uma  risada gostosa, mesmo que ninguém ache muita graça. Têm também muitos casos que ela vai lembrando e contando  com um leve sotaque meio do sul, meio do norte. São histórias de corações que se juntaram ao dela: são pacientes – ela é fisioterapeuta - são amigos, parentes, colegas, conhecidos, vizinhos, desconhecidos.
Frequentemente, eu apenas a escuto, em silêncio. Algumas vezes, de carona em seu carro, que ela enche de pessoas e, como seu coração, é também sem medidas. Muitas vezes, escutando-a,  fico com vontade de chorar.
Dirigindo, ela vai contando as histórias de situações em que se fez presente para as pessoas, de alguma forma. São histórias de solidariedade,  de superação, de generosidade. Enquanto ela fala, em silêncio, eu a observo: ela conta porque seu coração está alegre, para compartilhar o prazer que sentiu; conta como se suas atitudes não fossem tão diferentes do que é comum; conta como se todos nós já soubéssemos o que ela sabe: que a generosidade faz  o coração ficar mais alegre..
E ao final de cada história, ela justifica a sua atitude:
- Ah! Tive dó... A gente está no mundo para ser feliz e para fazer as pessoas felizes.
.           É porque se muito dá, Lucimar também muito recebe da vida: são presentes, oportunidades, homenagens, carinhos, olhares, palavras e muita sorte. E eu suspeito que isso é obra da gratidão que vive rondando a sua vida.
            Um dia desses, ela nos contou a história de um casamento. A noiva lhe confidenciou um segredo: talvez por algum conto de fadas, ela não sabia o porquê, sempre sonhou em casar-se usando sapatos vermelhos. O dinheiro porém, já estava acabando... será que Lucimar teria um para emprestar?
O  coração de Lucimar bateu descompassado.
Uma rápida olhada na vitrine logo em frente, e lá estava o sapato perfeito. Caro? O que importava? Teria preço fazer feliz o coração de uma noiva?
- Ah gente, tive dó... A gente está no mundo para ser feliz e para fazer as pessoas felizes!
Foi um feliz casamento e a noiva estava linda com seus sapatos vermelhos e as rosas vermelhas nas mãos. Eu mesma vi a foto: o sorriso também era vermelho e branco.
  Outro dia, li uma revista que trazia na sua capa, estampada em letras vermelhas, o anúncio de uma reportagem: “A ciência da generosidade”. Um renomado biólogo da Universidade de Harvard,  o prof. Edward Wilson, estaria chamando a atenção da comunidade cientifica, ao ousar complementar a teoria da evolução de Darwin. Seus estudos comprovariam que as comunidades que prevalecem  são aquelas onde .predomina a cooperação. Isso quer dizer, que apenas a lei do mais forte e a competição não explicaria a sobrevivência do homem na Terra. Para ele, o comportamento altruísta teria sido crucial para a evolução das espécies e teria decretado a supremacia humana no planeta..
E você sabe o que é “comportamento altruísta”? Não? É o jeito como a ciência chama o coração sem medidas.
Lendo isso, imaginei os homens primitivos, naqueles tempos de grandes catástrofes, de desconhecimento das forças da natureza, de lutas pela sobrevivência. Imaginei que, em determinado ponto do tempo, um deles deu as mãos ao companheiro, auxiliando-o. Este deve ter compreendido  e , da sua forma, disse pra os outros, como Lucimar:
-Ah gente! Tive dó...a  gente está no mundo para ser feliz e para fazer as pessoas felizes!  
Os cientistas estão descobrindo que um coração sem medidas faz toda a diferença e nos fez caminhar com mais beleza, no rumo da evolução, como sapatos vermelhos nos pés de uma noiva.
Olho o álbum de fotos do casamento. Uma, em especial, me chama a atenção: a igreja está toda decorada de vermelho e branco; a noiva com rosas vermelhas nas mãos, ao lado de Lucimar, deixa aparecer- como quem nada quer- um pedacinho dos seus sapatos vermelhos, sob a longa cauda do vestido branco. As duas estão de mãos dadas; os dois sorrisos são vermelhos e brancos e os dois corações, também vermelhos, estão felizes sem medidas: um está feliz porque realizou um sonho e  o outro está feliz porque realizou o sonho de alguém.
Fecho o álbum e me calo. Sinto vontade de chorar e digo baixinho para meu coração:
- A gente está no mundo para ser feliz e para fazer as pessoas felizes.




Susana Meirelles

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Série Gente - Poltronas Azuis





Foi a última vez em que lhe vi ali,
Na sala das poltronas azuis.
Azuis como seus olhos,
Como nosso olhar sobre as coisas da vida
Sob o céu dos vinte anos.
Era uma despedida
Dor só consolada
Pela alegria
de seu sonho realizado.
Do momento em que nos encontramos até ali,
Percorremos pontes, vielas, atalhos.
Estradas da amizade
Caminhos, ora tão belos
Ora árduos, profundos
e encantados.
Ao seu lado vivi a coragem
do mergulho em mim,
E juntas desejamos
(Cada uma a seu modo)
tocar o indecifrável.
Estudos, reflexões, crescimento. trabalho,
vidas, ideais, datas festivas,  risos,
não poucas lágrimas.
Sempre contei com seu olhar azul e suas mãos amigas,
mesmo quando quase juntas,
ou quase afastadas.
Há algo na vida que é insondável
Que promove os encontros.
Por isso,
Apesar dessas lágrimas
Que me ultrapassam,
Sinto e sei
Que há dois lugares azuis
onde, amigas,
 sabemos que seremos escutadas.
Lugar azul de todos os sonhos renovados
Recuperados
Feitos, desfeitos e refeitos
Ou, como agora, alcançados.
Bem quisera demorar-me um pouco mais,
Na sala das poltronas azuis,
 - sua tradução-
Mas bem pouco importa o tempo, a data
ou o calendário,
permaneceremos no lugar azul
do terno  e do eterno dentro de nós
onde,confortáveis
descansamos e rimos
das moças- mulheres e das mulheres- moças
que somos
numa tão terna idade,
em que as lágrimas e os sorrisos
marcam a dor e a alegria
que há num grande encontro
que a vida nos deu
e nas  despedidas,
sempre provisórias.



Susana Meirelles
31 de Outubro de 2012
(Depois de um abraço)


domingo, 7 de outubro de 2012

Série Gente - Extrato de Seda


Há muitos dias penso em Avâny. Percebo sua presença marcante nos corredores do meu trabalho. Naquela troca rápida de sorrisos, na minha caixa de mensagens ou na rede social de que fazemos parte, quando leio - muitas vezes sem nem responder - suas mensagens diferenciadas em letras que se repetem, para, enfaticamente, dizer o quanto algo é lindo ou quanto ela adorou.
Longas palavras sempre amáveis e delicadas.
Avâny é bela: aparece na foto e na minha lembrança, com um sorriso aberto, o nariz mais bonito que já se viu ( ela sabe disso) e o cabelo em cachos.
Quando temos a alegria de parar e conversar, Avâny conta suas histórias. Sempre se diz durona por falar o que pensa. Ela conta que briga... vá lá... briga. Eu finjo acreditar, mas sempre sorrio de suas discussões, absolutamente amorosas, quando a verdade é dita sem subterfúgios. Verdade pura e por isso, verdade amorosa.
Sou daquelas que não sabem brigar. Calo-me diante do que não gosto e sofro. Ah! como eu gostaria ser como ela e ter a liberdade de usar as palavras para sempre dizer o que penso. Deve ser por isso que eu escrevo e, por isso, eu goste tanto de escutar suas histórias, rindo delas, pois tudo parece muito leve no seu jeito franco e direto de ser.
Avâny briga para alertar, para abrir os olhos, para dar uma boa sacudidela em quem precisa disso e para dizer a verdade. Aliás, Verdade é a palavra mais parecida com ela, que tem V no nome e um acento, que ela sempre ressalta para não ser confundida com alguma Avaní ( como se precisasse de acento para ser única).
Trabalho com Avâny e a observo. Sempre tem uma palavra de conforto, um elogio, para uma a uma daquelas mães, que ali vão em busca da Avâny terapeuta ocupacional de suas crianças. Crianças que, com uma sabedoria especial e maior, sorriem para Avâny sentindo, como eu sinto, seu calor, seu amor, seu desejo de que elas cresçam e se desenvolvam.
Outro dia, perto do fim do ano, Avâny me encontrou chorando - coisa rara de acontecer. Quando acontece, porém, tem sempre uma palavra na garganta que não foi dita e está fluindo nas lágrimas como barco sem rumo, seguindo o fluxo do rio. Era por não saber brigar que eu chorava. Chorava sim, como se estivesse perto do fim: da alegria, dos ideais, da esperança.
Avâny não briga. Escuta. Acolhe. Como bicho da seda, tece tudo, ajudando-me a ver o que me parecia tão emaranhado. Ela sai e, sobre a mesa, deixa um pequeno pacote. Eram lenços de papel e eu leio o nome : Kleenex com Extrato de Seda. Enxugo minhas lágrimas e choro até perto do fim, deixando uma ultima folha  para escrever a Avâny e celebrar.
Celebrar a vida. Celebrar os fins e os inícios. Celebrar o viver que, com seus fios de seda, une as pessoas aparentemente diferentes para nos mostrar que mesmo quando somos verso e reverso, somos parecidos. Mostrar que, como as teias, há pontos que se cruzam e entrelaçam em todos nós. Celebrar, porque viver talvez seja mesmo a arte de entrelaçar delicadamente o que somos, em que acreditamos e o que fazemos, nos macios fios de nossa verdade.
Naquela manhã eu disse a Avâny que aquele pacote de lenços não seria esquecido. Não esqueci, escrevendo  na última folha:
- Avâny você é amorosidade pura. É bicho da seda que constrói com determinação seus fios, tecendo a vida em malha macia onde acolhe delicadamente pessoas, amores, amigos. Você é amorosidade não diluída pelas convenções ou preconceitos. Maciçamente amorosa, é tecedora da verdade. Se dá como seda. É a mais pura delicadeza: é amor o que você tece e, por isso, muito o merece, sem diluição.
- Avâny, você é o extrato da seda: obrigada por enxugar as minhas lágrimas ...e por enxugá-las com a seda da sua delicadeza.




Susana Meirelles

domingo, 16 de setembro de 2012

Poema de Amor bem Sonhado II- Taça de Alegria



Minha alma a ti se dirige,
Convida
E quando menos  espero,
Canta,brinca
e chora em mim,
sem que eu saiba.
Revela-se,
E eu não a domino.
Deixo-a  ir , cavalgando livre
(Diferente de mim, ela é selvagem).
Torno-me taça que transborda em paixão
Ainda quando disfarço e minto.
Sim, minto,
Para compensar tudo aquilo
que à revelia,
A ti revelo.
-Vim ver-te, aqui estou
É só o que  falo.
E se nem sei se escutas,
Permito que minha alma
 fale em mim:
"-Bebe da minha taça
Por tua presença, sou pura alegria
Por ti minhas mãos tremem,
E o coração rubro, acelera."
Diante de ti, transbordo.
 Minha alma agora está em tudo:
Na rua, no bar, na festa, na foto.
Na música e no silêncio,
que em mim se faz.
Minha alma está aqui,
sob este  vestido florido
cor de vinho,
por ti colorido.
Sou tão tua
Quanto não sabes
E essa inocência tão bela
É só o que de ti  transborda
Quando  olho teus escuros olhos
e desbordo.
É a  inocência
Do quanto és
Que te faz beber o vinho,
e de mim despedir-se.
Enquanto eu, só
Inteira  sou
E sorvo-te ,
Numa taça de alegria.
Que ignoras.





Susana Meirelles

domingo, 9 de setembro de 2012

Poemas de Amor Bem Sonhado




Imagem : Lauri Blank

Vidente Amor




Eu bem conheço a força que tens
pois, em mim, já grita.
Mas disfarço e recorro ao vinho 
esperando que em ti a verdade se revele.
Tua presença basta,
para que se calem em mim
todas as belas palavras 
que juro, sei dizer.
Meio tola, apenas repito, sem disfarces,
o mesmo sim a todos os teus convites.

Meu amor é tão profundo e tão claro
mas  de tal poesia, pouco conheces.
Mal conheces teu futuro que, todavia, faço-me vidente:
"Viverás  comigo
E caminharemos velhinhos, mãos dadas."
Nesta noite, ao teu lado, me calo.
E já nem sei se da verdade ou do vinho me embriago.

Comemoro em silêncio a tua chegada
em doses imponderáveis 
 de ilusão 
e daquelas mentiras tão desejadas,
que transformam em 
 infinito e eterno, 
um passageiro,
 silencioso, 
mas tão evidente
amor.



Susana Meirelles



Imagem: Lauri Blank 


Uma Casa nas Nuvens


Queria descobrir  a paisagem.
mais recôndita da sua alma
e com que forma,
a sua essência lhe modelou:
Com que barro? Com que cor?

Queria ter escutado
O som do seu sorriso,
sua voz declamando
a poesia que sai do bolso,
e tatuada na pele, revela
uma promessa, história,
longa memória,
pacto que você fez
não sem dor.

Queria ter pintado meus lábios,
mostrar que minhas lágrimas furtam cores
e  que há verde no fundo do meu olhar.
Mostrar o azul do mar, branco do sorriso
todas as minhas cores
(sou como arco íris),
eu ia lhe ensinar a misturar.

Queria  beijar as pontas luminosas
dos seus dedos,
por onde salpicam estrelas,
e caem, 
cumprindo desejos
e iluminando seu papel.

Queria  ouvir sua verdade,
como quem escuta música.
E as palavras que escrevia
saber se , de perto ,
tão lindas!
"São mesmo suas?"

Queria construir um lugar
para com você estar.
Uma casa sob arvore,
ou nas nuvens,
queria só  puxar a cadeira,
e lhe oferecer
 uma xícara de chá.

Queria sair da rede,
fazer entrelaces de nossas mãos,
 e em rede tecida pelo olhar,
ir, pouco a pouco,
vendo, lhe vendo,
nos vendo,
aos poucos,
bem devagar.

Queria sentir  a graça do seu riso,
que certamente  iria gostar do meu.
Quis brincar com você
rindo das nossas  diferenças ,
e do meu sotaque,  
tão diferente do seu.

Queria sim, embriagar-me.
Queria mesmo era ver transbordar a taça,
Decidida a pagar o preço,
não ia fugir 
não ia me esconder.
(Eu queria mesmo, e  muito,
era tirar uma foto com você).

Queria  usar o vestido novo
sem sandálias, pisar na areia.
E na praia,
fazer uma surpresa:
eu ia pedir ao mar
que desse um beijo em você.

Queria lhe dar uma flor
minha essência, perfume,
meu calor.
Quis, em pétalas,
 meio trêmula,
oferecer,
tudo o que sou.

Queria lhe convidar para um passeio
pela cidade,
e andar com você na minha história.
Gravar bem minhas memórias,
eu juro
 que ia escrever um livro
e ler,
só para você.

Eu só queria despedir-me satisfeita
por ter vivido.
Os riscos, com você, ter corrido
(E dos riscos não ter corrido).
Queria mesmo era ter tido a chance,
de, 
se quisesse,
desistir de você.



Susana Meirelles







Arte: Lauri Blank


Andorinha do mar



Aquela imensa alegria
alada, 
foi adiada,
fazendo pouso
em outras paragens.
Sumiu,
perdi de vista
no imenso horizonte
de nossas 
conquistas.

Esperei para ver seu riso
aberto, ouvir seus versos,
devagarzinho,
e aquelas estrelas
sem disfarces,
nas faces

A roupa  nova
aguarda no guarda roupa,
junto com essa alma minha
inteira e nua,
vagando incerta,
na certeza de que era sua.

Quase vejo por aqui
suas mãos desenhando
uma vida nova,
Que tanto quis,
Tecida com paciência
fio a fio.
Eu dentro de você
você, amado,
 dentro de mim.

Sem as  asas dessa alegria
triste sou, adio o amor
E digo um longo adeus
ao  dia que se fez
para ser seu
E para ser meu.

Um  mundo inacabado
foi construído, às pressas,
no seu lugar.
O dia a dia só adia
minha ida,
ou sua vinda
e o começo
de nossas vidas.

Sofro de rotinas,
 de sinais vermelhos
e travessias.
Sofro com gastas retinas
ardências nos olhos,
cansados,
do mesmo engano

Numéricas
são a contagem das horas,
com as contas por pagar
recibos a recolher.
Numa contabilidade curta e gasta.
subtraindo  você,
traindo meu desejo
de somar-me a você.

Sozinha, vou até o mar
Sinto o vento, muito azul
abrindo meus olhos.
Crio asas
 ( por pura ternura)
torno-me andorinha do mar.
E, no mesmo instante
de aqui, 
aí ,
no ninho do seu peito,
 estou.
No seu coração,
eu sei.
Tenho o meu lugar.

                                                            
 Susana Meirelles






Imagem: Lauri Blank


                                                                       SOBRAS



Não preciso de ti
para que me completes.
Nada do que tens,
a mim, falta.
Não busco a ti
por qualquer tesouro
ou dor que tenhas oculta.

Não. Não  busco em ti .
o manancial de todo amor
infinito que seja,
ou breve como o tempo.
Nada busco em ti
que sirva
por uma ilusão qualquer,
para compor as paisagens
da minha falta

Não: é bem maior,
posto que bem conheço
expansões
tão belas
quanto aquelas
que se dão
com as estrelas.
Tenho um universo
a descobrir
tão misterioso,
quanto o teu.
Tal como você, 
sou alvo de olhares.
Amorosos,
devoradores,
ternos olhares.

Sou dona de mim,
mas este corpo,
estreito,
não consegue guardar
toda a alma.
Por isso, vivo em busca ,
de um corpo para abrigar-me,
além de mim.
Além do que já possuo,
enquanto expando-me,
lentamente.

Vou além do que já sei.
Vou além do que não acredito,
mas conheço.
Vou além do que ainda não sei.
mas aceito de mim.
expando-me sim,
e nunca, em mim,
caibo inteira.

Por isso, engana-te,
pois não me falta alma.
Não me falta nada.
Não, nada
(nem mesmo a falta)
me falta.
Sou muito maior do que mim

Preciso, de fato,
é emprestar –me  a t.i
Pois nada me vale
toda expansão,
toda beleza,
toda alma:
Sem você,
Sobro-me





Susana Meirelles





Arte: Lauri Blank


TAÇA DE ALEGRIA



Minha alma a ti se dirige,
convida
E quando menos  espero,
canta,brinca
e chora em mim,
sem que eu saiba.
Revela-se,
e eu não a domino.
Deixo-a  ir , cavalgando livre
(Diferente de mim, ela é selvagem).
Torno-me taça que transborda em paixão,
ainda quando disfarço e minto.
Sim, minto,
para compensar tudo aquilo
que, à revelia,
a ti revelo.
"Vim ver-te, aqui estou"
É só o que  falo.
E se nem sei se escutas,
permito que minha alma
 fale em mim:
"Bebe da minha taça,
Por tua presença, sou pura alegria.
Por ti. minhas mãos tremem
e o coração rubro, acelera."
Diante de ti, transbordo.
 Minha alma agora está em tudo:
Na rua, no bar, na festa, na foto.
Na música e no silêncio,
que em mim se faz.
Minha alma está aqui,
sob este  vestido florido,
cor de vinho,
por ti colorido.
Sou tão tua,
quanto não sabes
E essa inocência tão bela
é só o que de ti  transborda
quando  olho teus escuros olhos
e desbordo.
É a  inocência
do quanto és
que te faz beber o vinho,
e de mim, despedir-se.
Enquanto eu, só,
inteira  sou,
e sorvo-te ,
numa taça de alegria.
que ignoras.




Susana Meirelles